
Eunucos: outra designação para homossexuais

Jesus apresentou conceitos espirituais inovadores para aquelas comunidades acostumadas aos rígidos ditames da Lei Mosaica. Uma das provas de que os Evangelhos não condenam a homoafetividade é o fato de Jesus nunca ter dito nenhuma palavra contrária para tais relações. Antes, Jesus reconhece a existência de uma diversidade.
Dentre os textos mais reveladores, temos o relato de Mateus 19.3-12. Aqui, Jesus reconhece alguns pontos da diversidade sexual de sua época:
10) Disseram-lhe seus discípulos: Se assim é a condição do homem relativamente à mulher, não convém casar. 11) Ele, porém, lhes disse: Nem todos podem receber esta palavra, mas só aqueles a quem foi concedido. 12) Porque há eunucos que assim nasceram do ventre da mãe; e há eunucos que foram castrados pelos homens; e há eunucos que se castraram a si mesmos, por causa do reino dos céus. Quem pode receber isto, receba-o. (ACF)
Nesse texto, Jesus afirma que nem todos estão aptos para receber o conceito do casamento heterossexual indissolúvel (v.11). Em seguida, Cristo explica três razões para isso: 1) há eunucos de nascença; 2) há eunucos que foram feitos pelos homens; e 3) os que se fazem eunucos pelo reino de Deus, ou seja, os celibatários. Dessa lista, apenas no terceiro caso Jesus usou o termo de maneira metafórica, figurada. O que mais interessa a esse estudo é a primeira acepção, ou seja, os eunucos de nascença.
Comumente, os eunucos eram homens intencionalmente castrados para servir nos palácios, principalmente na função de guardar as mulheres sem que pudessem oferecer algum risco sexual a elas. Era imprescindível que os monarcas tivessem a certeza da paternidade dos filhos a fim de que a sucessão real fosse legítima e reconhecida. Exatamente por isso, os eunucos eram respeitados e dignos de total confiança, e em alguns momentos a Bíblia se refere a eles como oficiais da corte (Atos 8.27).
No hebraico e no aramaico (língua falada por Jesus) não havia uma palavra específica para designar os homossexuais, mas estudos indicam que o termo eunuco era também empregado para se referir aos homossexuais masculinos:
O judaísmo conhecia apenas duas categorias de eunucos: Os feitos pelo homem (em hebraico sãrïs 'ãdhãm) e aqueles que nasceram congenitamente incapazes ou sem libido (instinto e desejos sexuais) chamados de natural ou eunuco do sol (em hebraico sãrïs hammâ).
Dentre as características para se identificar um eunuco de nascença, o Talmude cita os modos frágeis, pouca barba, a suavidade do cabelo, da pele e a voz efeminada. Nenhum dos seus testes envolve a verificação da presença de defeitos anatômicos nos órgãos reprodutores. Inclusive, tais eunucos eram associados comumente com o desejo homossexual.
O Caso do centurião de Cafarnaum
Outro relato dos Evangelhos bastante revelador é o episódio envolvendo Jesus e um centurião romano da cidade de Cafarnaum. O milagre da cura do servo do centurião encontra-se narrado por Mateus, Lucas e João. Cada um dos evangelistas narra a história com diferentes nuances, cada uma delas com detalhes bastante reveladores e complementares.
No relato de Mateus (8.5-13), o comandante romano referiu-se a seu escravo empregando a palavra grega pais. Esse é um termo bastante intrigante quanto ao seu sentido. A palavra grega pais tem vários significados: criança (Mateus 21.15), menino (Mateus 17.18) e servo (Mateus 8.6). Neste último caso, embora em um sentido pouco comum, pode ser traduzida e interpretada como um escravo jovem cujo proprietário mantém para favores sexuais. O termo pederastia deriva do mesmo radical. As várias traduções suprimiram as possíveis conotações sexuais do termo utilizando as expressões meu servo, meu empregado. A versão ARA utilizou uma expressão um tanto curiosa: meu rapaz (v.8). Tais relações com conotações sexuais eram bastante comuns no Império Romano e, embora condenadas pela tradição judaico-cristã, a sociedade romana as tolerava. É fato que havia um componente abusivo em tais relações (vide nota sobre pederastia), mas este não parece ser o caso do centurião, já que Lucas acrescenta que o servo lhe era muito querido (Lucas 7.2), o que explica o esforço do comandante em buscar a ajuda de Jesus. Lucas também utilizou a palavra entimos, termo que denota, também, afetividade e intimidade. O fato de o centurião não se ter ausentado de casa durante a doença do servo (Lucas 7.6) também reforça a possível relação afetiva entre eles, pois tal gesto sugere cuidado e proteção.
O relato de Lucas se refere ao servo como doulos, termo mais específico que significa servo, porém sem uma conotação de escravidão . Tal acepção reforça o conceito de que não se tratava de um escravo comum. O texto de João o coloca como filho do comandante, o que reforça os laços afetivos entre eles, já que um filho desfruta de tratamento e consideração superior à relação senhor/servo (João 4.46). Porém, é improvável que se trate de um filho, pois o termo doulos usado por Lucas descarta tal interpretação.
Lucas também afirma que ele havia construído uma sinagoga (7.5b), portanto o centurião era um homem rico e poderia substituir facilmente o servo a qualquer momento, bastaria comprar outro. As motivações do centurião são, antes, afetivas ou, mais provavelmente, homoafetivas. O mesmo texto indica que, possivelmente, era um homem temente a Deus, porque, além de construir a sinagoga, Lucas acrescenta que ele amava a nação de Israel (7.5a). Jesus conhecia o coração e a vida íntima daquele homem, entretanto, ele não condena sua relação, antes, elogia sua fé, curando seu servo. É interessante mencionar, como já vimos, que Jesus contrariou muitos preceitos da tradição religiosa e cultural judaica, quebrando paradigmas e revelando uma nova realidade para seus seguidores.
Material gentilmente cedido pelo Pr. Alexandre Feitosa, da Comunidade Athos de Brasília, autor do livro 'Bíblia e homossexualidade: verdades e mitos'.